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About Cecília Moncorvo Bandeira de Melo
Cecília Moncorvo Bandeira de Melo Rebelo de Vasconcelos (1870/1948), apesar da sonoridade de tão pomposo nome, buscou esconder-se atrás de pseudônimos, sendo Mme Chrysanthème ou simplesmente Chrysanthème, o mais usado. Tal escolha lhe teria sido sugerida pelo sucesso do romance de Pierre Loti, publicado em 1887 ou teria ela se identificado com essa personagem? A Chrysanthème de Loti é descrita pelo narrador como uma boneca, que ele toma para se distrair sem se preocupar com seus sentimentos. Diz ele: "Je l’ai prise pour me distraire, e j’aimerais mieux lui voir une de ces insignifiantes petites figures sans souci comme en ont les autres."(p.56) Essa figura feminina sempre pronta a se curvar em reverências graciosas, essa boneca japonesa educada para agradar os homens, difere das demais pela tristeza de seu semblante.
Chrysanthème est à part, parce qu’elle est triste. Qu’est-ce qui peut bien se passer dans cette petite tête? Ce que je sais de son langage m’est encore insuffisant pour le découvrir. D’ailleurs, il y a cent à parier qu’il ne s’y passe rien du tout. - Et quand même, cela me serait égal!...(p.56)
Essa indiferença masculina aparece com freqüência na obra de Chrysanthème, sendo muitas vezes alvo de suas recriminações. A leitura de Matar! (1927) deverá nos dizer se a escolha do pseudônimo foi ditada apenas pelo sucesso da obra de Pierre Loti ou se a autora se identificou, através de Margarida Hellis, protagonista do romance, com a triste "petite mousmé" de Loti.
Matar! tem uma estrutura curiosa, onde o nome Chrysanthème adquire uma notação ficcional, uma vez que é ela a jornalista destinatária da carta e do diário de Margarida Hellis, em que esta conta sua triste história; tendo tido Cecília Moncorvo, como sua mãe Carmen Dolores, uma participação sistemática na imprensa da época, realidade e ficção aqui se misturam, garantindo a verossimilhança do romance. Chrysanthème é, como afirma no Prólogo, a responsável pela publicação daquele diário, numa estratégia semelhante à de Alencar em seu romance Lucíola; aqui, GM é a responsável pela publicação das cartas de Paulo, criando-se, assim, um fictício afastamento do autor de um texto talvez passível de censura.
O diário de Margarida é precedido de uma carta escrita momentos antes dela tomar o veneno que a levará para o mistério da morte; dessa forma, o(a) leitor(a), pelo teor da missiva, fica preparado/a para o desonrolar dos acontecimentos que compõem a vida da protagonista. Criada sem mãe por uma ex-escrava, amante de seu pai, vivendo livremente em contato com a natureza, tem sua primeira experiência sexual com o primo, aos quinze anos. Não se sujeitando à brutalidade de Cristiano, seu primo, com a morte do pai, vai em busca de uma importadora de moças, que estivera em Valença à procura de jovenzinhas para seu bordéu no Rio de Janeiro. Começa, então, sua carreira como prostituta até encontrar o grande amor de sua vida, Lúcio de Vizeu. Vive uma grande paixão, mas descobre que seu amado vai partir para Portugal onde o espera sua noiva. Num assomo de vingança, deixa-o morrer, tragado pelas águas do mar revolto; considerando-se culpada busca a morte.
Temos aqui um Bildungsroman, onde a formação de Margarida assume um importante papel na trama narrativa. Tendo sido criada sem parâmetros morais, em contato com a natureza, será sempre escrava de seus desejos, sem lhes impor nenhum freio moral. Diz ela, se justificando:
Nenhuma menina creada numa fazenda ou num sítio poderá jamais conservar a innocencia dos primeiros annos. Tudo em torno della grita a fecundação, o sensualismo, o enlace dos sexos, desde a hervinha tenra da beira do caminho até as borboletas que, num vol plané, parecem simples flôres aladas. (35)
No nível do enunciado, temos a trajetória da personagem Margarida desde sua infância até à morte de Lucio, da qual se sente culpada; enquanto no nível da enunciação, temos a carta, que acompanha o diário, e freqüentes trechos justificando seu comportamento e, até mesmo, se vitimizando aos olhos do/a leitor/a. Assim, diz ela, tentando justificar a paulatina entrega aos avanços sexuais de seu primo:
Naquelle tempo, lisongeada pelo culto do primeiro homem que me acariciava a sensualidade nascente e o amor-proprio de menina, eu me entregava singelamente às palpitações que esses gestos masculinos despertavam no meu intimo sem meditar, sequer, sobre o alcance delles (p.56-7.)
Há momentos de intenso lirismo erótico, em que a natureza colabora com seus aromas intensificando as sensações; entre eles se encontra a representação que a narradora faz da explosão de sua sensualidade, quando narra a viagem de troly com o primo, numa tarde de muito calor, ao voltar da missa. "A estrada cheirava a herva doce, pisada e das margaridas sylvestres, queimadas de sol, vinha um aroma extranho que recordava o de canella." A narradora, ela também uma margarida silvestre, abrasada pelo desejo, presa de uma sensação nova e fascinante. Por isso, "com os seios turgidos, as pernas lassas, os labios humidos, (ela) eu mirava Christiano bem nos olhos e cerrava depois as palpebras pesadas" (p.69).
A representação da protagonista, no nível do enunciado, a aproxima da condição de objeto, para não dizer da condição de vítima das circunstâncias; isso fica indiciado, desde o início da relação com Christiano, a propósito de uma reação brutal dele: "E fiquei muda, eu, de ordinario tão revoltada, abaixei a cabeça submissa, sem nada mais replicar"(p.61) Assim, ela é objeto de troca para o pai, que a pretende casar com um bom partido, objeto de prazer para Christiano, objeto de adorno para o "padrinho" e objeto de uso para Lucio, que pretende dela se desfazer para casar com outra. Ela vai sendo levada pelos acontecimentos, porque não tinha, como constantemente afirma, a formação necessária para resistir. Morto o pai, é vítima da ganância dos tios e não recebe nenhum apoio dos familiares. O que ela chama de "decepção familiar" é o princípio da "revolta pelas leis sociais que nunca mais deixou de borbulhar em (seu) meu peito de mulher"(116) Essa revolta, porém, não a torna mais ativa, uma vez que, ao fugir da família, vai viver em casa de D. Gertrudes, dona de um bordéu que a entrega a "um guloso de carne tenra e fresca" (130). O conforto e o luxo da capital, em contraste com a rusticidade da vida interiorana, abafam-lhe os escrúpulos e ela chega mesmo a confessar que, ao se saber prostituta, não sentiu "nenhuma violenta impressão de horror, nem de asco" (p.131). Essa passividade diante dos acontecimentos só se altera quando, vivendo uma grande paixão por Lucio de Vizeu, descobre que ele está prestes a deixá-la para se casar. Então, essa mulher objeto, num de seus costumeiros banhos de mar em companhia do amante, deixa que ele, menos experiente, naufrague no mar revolto. Ela, que tentava salvar-se a si e ao amante, diante das forças que lhe faltavam e do fato que iria perdê-lo para outra mulher, resolve agir:
Foi nesse minuto que, de novo, a ideia tremenda me dominou e me obrigou a agir. Sacudi de mim, Lucio desarticulado e fragil como um polichinello de brinquedo, e, com um sorriso, cuja expressão não sei bem qual seria, vio-o desapparecer no abysmo, que o engulio para sempre, porquanto o seu cadaver não mais appareceu (grifo meu, p.187).
É curioso observar que a ação de Margarida se completa com a descrição contrastante dos dois amantes; ela "musculosa e robusta, lembrava admiravelmente um rapaz", enquanto Lucio "com a sua fragilidade, meiguice e delicadeza femininas" parecia mais mulher do que ela. É Margarida que sustenta o amante nos braços, durante o banho fatídico, e que acaba por lançá-lo às ondas. Ela passa, então, de objeto a sujeito, impedindo que Lucio se case com outra e buscando a própria morte num vidro de nitrato de aconitina. Mas antes desse fato extremo, como sujeito do próprio destino, precisa ela escrever a carta, que autoriza Chrysanthème a publicar seu diário para servir de "lição em proveito das outras"(191). No nível da enunciação, a protagonista alerta as mulheres para o perigo que representa o amor dos homens. Diz ela: "Leiam, atentamente, esse capitulo da minha vida, as mulheres que acreditarem no amor dos homens e confiarem nos seus juramentos"(165) Essa idéia de que os homens são traidores e de que não se deve acreditar em suas promessas de "abrigo" e "proteção", está presente em grande parte da obra da autora e é até objeto do prefácio que abre o romance O que os outros não vêem (1929).
Tentei simplesmente, neste romance, observando a sociedade actual, pôr em guarda as minhas irmãs em espírito e em coração contra as hipocrisias, tartufices e maldades dos varios cavalheiros de roupa branca, ou escura, lunetas redondas, ou sem ellas, e chapéo de feltro ou de palha, typo monotono, ou commum, que lhes juram amor, proteção e solidariedade, rindo-se depois, machiavelicamente, quando as vêem credulas, confiantes e repousadas nessas promessas mais falsas do que as dos judeus agiotas.(p.8)
Chrysanthème foi, muitas vezes, alvo da mediação crítica masculina que não se preocupou com a análise de seus textos, mas sim com as questões morais referentes às suas personagens e à sua própria vida. Vivendo uma relação amorosa com o famoso jornalista Alcindo Guanabara e construindo suas personagens fora dos padrões impostos pela sociedade contemporânea, ela acirrou o ânimo dos críticos, que não lhe perdoaram os ataques ao gênero masculino. Humberto de Campos, por exemplo, diz a propósito do livro O que os outros não vêem:
Conhecedora da vida e da sociedade em que respira e se move, a sra. Chrysanthème poderá fornecer às letras brasileiras excelentes romances de observação. Basta que se proponha escrever mais sossegadamente e pondo em cena personagens pouco mais asseados de língua. O que os outros não vêem foi escrito, evidentemente, mais para efeito moral que literário. Teria conseguido seu objetivo acendendo nas mulheres o ódio ao homem? Eu não creio. Os homens insistirão em fazer juras de amor, e em perjurar. E as mulheres continuarão a acreditar e a sofrer (Critica, p. 43-58).
É evidente que essa atitude crítica nada acrescenta aos estudos literários; é uma resposta acintosa às recriminações contidas no Prefácio do romance citado. Serve, apenas, para botar mais lenha na fogueira da guerra dos sexos...Até certo ponto, é o que ocorre em Matar!: a personagem Barbara, preta velha com poderes de feiticeira, alerta Margarida para o perigo que os homens representam:"Os homes, Nhàzinha, são mesmo assim, uns anjos de dia, uns bódes de noite! Nhàzinha, não creia nunca nessa gente que é o home!" (p.28). Esse destino cruel que faz das mulheres vítimas - ("Pobres e vencidas mulheres que nós somos ao despertar de um sonho de paixão!" (p.175)) - aproxima Margarida Hellis, e conseqüentemente, Chrysanthème da personagem japonesa criada por Pierre Loti para distrair o oficial francês cujo navio está, por algum tempo, fundeado em Nagasaki. A submissão feminina, tão bem representada pela figura mignonne da personagem de Loti, é um ícone da condição da mulher numa sociedade falocêntrica. Pelo menos, assim achava Cecília Moncorvo ao assumir o pseudônimo de Chrysanthème e ao construir um universo ficcional, onde as "pobres e vencidas mulheres" são sempre vítimas dos homens...
Fonte: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigos/pseudonimo.html
Cecília Moncorvo Bandeira de Melo's Timeline
1870 |
1870
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Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
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1889 |
1889
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1948 |
August 1948
Age 78
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